segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O Nada

O vazio não é um fim, aprendemos a viver na fronteira de cada sensação. Não voltaremos a estar inteiros, somos fragmentos da infinita distorção entre nosso corpo e a natureza. A distorção entre cada momento do tempo. A discrepância que se instaura em cada movimento interno é o não-lugar de onde sempre partimos. O vazio é a única chance que temos de ainda darmos algum sentido, pois dele partimos com liberdade. Tomados pelo Nada ficamos nus, mas tendo domado o medo de morrer, nos permitimos à desintegração completa que faz com que o pensamento nasça pela primeira vez no mesmo lugar. A esfera de nossa visão fica submersa e é lançada para o centro do caos, de onde damos novos contornos para os fragmentos, rearanjando-os para uma nova viajem pelo Nada. Soberana!

O lirio que brilha no abismo

Prato de Flores; nessa música há um elemento que nos faz lembrar As Flores do Mal. A flor como metáfora usada tanto por Nação Zumbi quanto por Baudelaire usufrui e nos faz usufruir do “lugar” comum onde habita o mal e o bem, o feio e o belo. Não como meras entidades metafísicas, mas como estetização dos sentimentos, que tanto nos fazem padecer quanto nos eleva a prazeres sublimes. “Quando os espinhos lançarem as dores no cheiro forte do jardim, que não tem fim”. “Os espinhos são pra quem pensa em enganar a dor, a beleza rende a prosa da dor”. São trechos da poesia afrociberdélica que criam imagens capazes de nos fazer sentir a dor e a alegria como elementos indistintos, nos fazendo desejar enrijecer-nos para estarmos prontos para encontrar a dor e o prazer nos mesmo lugar. Concede-nos a visão de uma força bruta e indistinta, indivisa, que estabelece uma postura de maior envergadura em busca do belo. Tornando a vida uma “insustentável leveza”, trecho da música Bossa Nostra, uma aparente citação de A Insustentável Leveza do Ser de Milan Kundera. O elemento claramente surrealista da Afrociberdelia nos fala de um “lugar” onde o pensamento é não analítico, portanto, não compartimentado por nomeações e índices do saber.
Mas no inicio (os manifestos surrealistas do inicio do século XX) quando irrompeu sobre criadores sob a forma de uma vaga inspiradora de sonhos, ele parecia algo de integral, definitivo, absoluto. Tudo o que tocava se integrava nele. A vida só parecia ser digna de ser vivida quando se dissolvia a fronteira entre o sono e a vigília, permitindo a passagem em massa de figuras ondulantes, e a linguagem só parecia autêntica quando o som e a imagem, a imagem e o som, se interpenetravam, com exatidão automática, de forma tão feliz que não sobrava a mínima fresta para inserir a pequena moeda a que chamamos ‘sentido’. (Benjamin, 1994, p.22)

A imagem que fala apenas pelo seu aparecimento o faz por conter em si uma conjunção violenta de sentidos automáticos, imediatos, que podem num só relampejar nos fazer usufruir a dor, e a alegria, sem a mínima necessidade de ser cognitivamente reflexionada. Podemos a ela nos entregar, conscientes de receber tudo sem esforço prévio da razão. A força prévia, pré-analítica é sua constituição ontológica, seu aparecer é o estar lançado do ser ao infinito. O ser naquilo que ele anseia por fruição dos sentidos sem que para isso tenha que sacrificar a pura beleza da imagem, seu aparecer inesperado. Um ser aberto é sempre lançado, uma imagem nos encontra, quando nos recobrimos de um desejo intenso pelo primitivo, pelo violento, quando estamos prontos para uma passagem que não pode negociar o desconhecido, que assim o permanecerá para que possa ser usufruído com grandeza. O recorte que a cognoscibilidade executa, é sempre uma tentativa (necessária, por certo) de cristalizar o que flui, controlá-lo, estabelecer sobre ele critérios de classificação que o torne reconhecível a todos. Mas a imagem traz o inclassificável, o desejo como desejo, a dor como dor, experienciada como força primitiva. Nós, acostumados aos discursos sobre a razão na modernidade, poderíamos tomar tal experiência como secundária em virtude de seu teor não classificatório, se assim o for, a música a e arte em geral não é possível. A não necessidade classificatória da imagem não a torna secundária, e o espírito requer esse lugar que o conduz de um limite a outro do infinito, fazendo com que o agora seja a totalidade dos elementos indescritíveis, conformando a memória como duto do tempo que apenas o experiência como passagem, que ao fixar não cessa de fluir.
O sentido se dá nesse “campo” de forças puramente sensíveis, o que não implica numa não racionalidade analítica posterior como forma de estruturação de valores partilháveis, uma vez que a Afrociberdelia assim como o surrealismo francês se propõem (usando a terminologia de Jaques Rancière) como uma partilha do sensível numa obra de arte que seja a relação dialética entre estética e política. No entanto a forças evocadas como fontes da experiência recorrem a essa energia indivisa. O que Gérard Durozoi e Bernard Lecherbonnier afirmam sobre o movimento surrealista pode ser afirmado sobre a Afrociberdelia, a saber:
O que, na mentalidade mágica, parece primordial aos surrealistas é que ela precede à separação dos poderes do homem, esses poderes que o projeto surrealista tem precisamente como fim reunificar: anteriormente à instauração de uma distinção entre poesia, filosofia e ciência, é preciso admitir que um denominador comum, que não pode deixar de ser a magia, une o feiticeiro, o poeta e o louco. Mais à frente: A arte primitiva, nas suas realizações plásticas e literárias, prova que a magia permite ao homem manter-se em estreito contato com a totalidade do universo. ( DUROZOI & LECHERBONNIER, 1972, p.12)

Assim, podemos ver na conformação da obra como a evocação da magia preconiza um lugar avesso à linguagem – meio por excelência de ordenação de sentidos – onde os conteúdos nos fazem apenas sentir a intensidade das imagens imediatas, e ao mesmo tempo transita para a linguagem como forma de estruturação de valores. Em As Flores do Mal o horror pode ser o caminho para o belo...

texto imcompleto

Puzzle

Neste quarto, como em toda a cidade, os objetos se equilibram em um mesmo plano; caótico, quebradiço e infinito, o que vejo? Um puzzle!

O Encontro

Ondas leves e gentis conduzem minha imaginação! Jazz, sedução e, a doçura desta fêmea sonhadora. Meu corpo sente o toque fugaz e infinito desta ânima. Ao mesmo tempo, o encontro entre ela e o animus deste pó negro produzem euforia e letargia! Minhas veias são rios caudalosos que conduzem essa seiva rica em devaneios. E assim, fico desperto numa vigília sonora, nos limites imprecisos deste sono. As lógicas são invertidas, e a imagem assume postura soberana frente ao raciocínio lógico.

sem título

A vida é profundamente bela, mas dói tanto saber disso!

Corpo Transparente

É uma violência, mas tanto me liberta quanto me aprisiona; deixar que as sensações no universo fluam em você, que você as recrie, lhes dê formas e conteúdos. Inefável tortura!

Liame da não-semanticidade

A palavra é a abertura ao infinito. Diz-se de campos semânticos, isso ainda é pouco. Não há limites semânticos, pois na abertura da palavra mergulhamos até o outro e até nós mesmos, todo homem é um abismo, uma vertigem!