segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Mundo obscuramente sedutor

Num primeiro momento o corpo repreende o espírito; acusa-o de deturpar sua ordem. Esta batalha pode durar momentos variados. O espírito, quieto e revolto aguarda o momento em que o corpo reconhecerá as delícias dispostas num horizonte infinito. Cada possibilidade se constitui pelo encontro de conteúdos que como cavalos halados sobrevoam o incomensurável, que caindo de cada dimensão do tempo, sinalizam a formação de uma memória quebradiça. E a cada instante se forma uma imagem maior e ainda mais quebrada, mas que se aprofunda numa existência sempre efêmera e constante. Finalmente o corpo cede, e resigna-se nesta inefável tortura. Concebe as delicias que o espírito lhe deu como forma de aplacar sua ira mundana. Sofre enquanto goza esse líquido espesso de uma vida mergulhada nas sendas infindas do inconsciente. Como se o vale da sombra da morte fosse a única condição na qual posso permanecer vivendo. Ali, ao contrário de Davi, aprendi a viver sem deus. Não desejo que ele me retire de lá. deus é infinitamente menor que os raios ancestrais de vida que absorvo em cada gesto da existência. A vida como caos é sentida na sua plena falta de sentido e é o maior de todos os delírios sedutores. Desejar morrer e desejar viver em uma fração temporal infinitesimal se constitui no liame sutil no qual meus passos caminham. Esse liame é o lugar mais pleno, escolher um dos dois pólos dessa dialética é ou incorrer no desespero da desistência ou na alienação brutal da inexistência. Estando nele sorvo o que de mais belo cada um possui. Só sei viver no entre-lugar.

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